1 – A maneira pela qual se opera a transformação é muito simples, e, como se vê, ela é toda moral e não se afasta em nada das leis da Natureza. Por que, pois, os incrédulos repelem essas ideias, uma vez que nada têm de sobrenatural?
É que, na sua opinião, a lei de vitalidade cessa com a morte do corpo, ao passo que, para nós, ele prossegue sem interrupção; eles restringem sua ação e nós a estendemos; é porque dizemos que os fenômenos da vida espiritual não saem das leis da Natureza. Para eles, o sobrenatural começa onde acaba a apreciação pelos sentidos.
2- Que os Espíritos da nova geração sejam novos Espíritos melhores, ou os antigos Espíritos melhorados, o resultado é o mesmo; desde o instante em que trazem melhores disposições, é sempre uma renovação. Os Espíritos encarnados formam, assim, duas categorias, segundo as suas disposições naturais: de uma parte, os Espíritos retardatários que partem, de outra os Espíritos progressivos que chegam. O estado dos costumes e da sociedade será, pois, em um povo, em uma raça ou no mundo inteiro, em razão destas duas categorias que tiver a preponderância.
Para simplificar a questão, seja dado um povo, num grau qualquer de adiantamento, e composto de vinte milhões de almas, por exemplo; a renovação dos Espíritos se fazendo sucessivamente as extinções, isoladas ou em massa, há necessariamente um momento em que a geração dos Espíritos retardatários se imporá em número sobre a dos Espíritos progressivos que não contam se não com raros representantes sem influência, e cujos esforços para fazer predominar o bem e as ideias progressivas estão paralisados.
Ora, uns partindo e os outros chegando, depois de um tempo dado, as duas forças se equilibram e sua influência se contrabalança. Mais tarde, os recém-chegados são em maioria e sua influência se toma preponderante, embora ainda entravada pela dos primeiros; estes, continuando a diminuir ao passo que os outros se multiplicam, acabarão por desaparecer; chegará, pois, um momento em que a influência da nova geração será exclusiva Assistimos a essa transformação, ao conflito que resulta da luta das ideias contrárias que procuram se implantar; uns caminham com a bandeira do passado, as outras com a do futuro.
Examinando-se o estado atual do mundo, reconhece-se que, tomado em seu conjunto, a Humanidade terrestre está longe ainda do ponto intermediário onde as forças se contrabalançam; que os povos, considerados isoladamente, estão a uma grande distância uns dos outros nessa escala; que alguns tocam nesse ponto, mas que nenhum não o ultrapassou ainda. De resto, a distância que o separa dos pontos extremos está longe de ser igual em duração, e uma vez transposto o limite, o novo caminho será percorrido com tanto mais rapidez, que uma multidão de circunstâncias virá aplainá-lo.
Assim se realiza a transformação da Humanidade. Sem a emigração, quer dizer, sem a partida dos Espíritos retardatários que não devem retornar, ou que não devem retornar senão depois de estarem melhorados, a Humanidade terrestre não ficará por isto indefinidamente estacionaria, porque os Espíritos mais atrasados avançam por sua vez; mas teriam sido precisos séculos, e talvez milhares de anos, para alcançar o resultado que um meio século bastará para realizar. Uma comparação vulgar fará compreender melhor ainda o que se passa nesta circunstância. Suponhamos um regimento composto em grande maioria de homens turbulentos e indisciplinados: estes a ele levarão, sem cessar, uma desordem que a severidade da lei penal, frequentemente, terá dificuldade para reprimir. Estes homens são os mais fortes, porque são os mais numerosos; eles se sustentam, se encorajam e se estimulam pelo exemplo. Alguns bons não têm influência; seus conselhos são desprezados; eles são abafados, maltratados pelos outros, e sofrem com esse contato. Não é a imagem da sociedade atual?
Suponhamos que se retirem esses homens do regimento um por um, dez por dez, cem por cem, e que se os substitua à medida por um número igual de bons soldados, mesmo por aqueles que tiverem sido expulsos, mas que se emendaram seriamente: ao cabo de algum tempo, ter-se-á sempre o mesmo regimento, mas transformado; a boa ordem terá sucedido à desordem. Assim o será com a Humanidade regenerada.
As grandes partidas coletivas não têm somente por objetivo ativar as saídas, mas transformar mais rapidamente o espírito da massa, desembaraçando-a das más influências, e dar mais ascendências às ideias novas. É porque muitos, apesar de suas imperfeições, estão maduros para essa transformação, que muitos partem a fim de irem se retemperar numa fonte mais pura.
Enquanto permanecem no mesmo meio e sob as mesmas influências, persistirão em suas opiniões e em sua maneira de ver as coisas. Uma estada no mundo dos Espíritos basta para lhes descerrar os olhos, porque ali veem o que não podiam ver sobre a Terra. O incrédulo, o fanático, o absolutista, poderão, pois, retornar com ideias inatas de f é, de tolerância e de liberdade. No seu retorno, encontrarão as coisas mudadas, e sobretudo o ascendente do novo meio onde terão nascido. Em lugar de fazer oposição às ideias novas, delas serão os auxiliares.
A regeneração da Humanidade não tem, pois, absolutamente necessidade da renovação integral dos Espíritos; basta uma modificação em suas disposições morais; esta modificação se opera em todos aqueles que a ela estão predispostos, quando são subtraídos à influência perniciosa do mundo. Aqueles que retornam, então, não são sempre outros Espíritos, mas, frequentemente, os mesmos Espíritos pensando e sentindo de outro modo.
Quando essa melhoria é isolada e individual, ela passa desapercebida, e é sem influência ostensiva sobre o mundo. O efeito é todo outro quando se opera simultaneamente sobre grandes massas; porque, então, segundo as proporções, em uma geração, as ideias de um povo ou de uma raça podem ser profundamente modificadas. É o que se observa, quase sempre, depois dos grandes abalos que dizimam as populações.
Os flageles destruidores não destroem senão o corpo, mas não atingem o Espírito; eles ativam o movimento do vai-e-vem entre o mundo corpóreo e o mundo espiritual, e, consequentemente, o movimento progressivo dos Espíritos encarnados e desencarnados.
É desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve conduzir à modificação da Humanidade. A multiplicidade das causas de destruição é um sinal característico dos tempos, porque elas devem apressar a eclosão de novos germes. São as folhas de outono que caem, e às quais sucederão novas folhas cheias de vida; porque a Humanidade tem suas estações, como os indivíduos têm suas épocas. As folhas mortas da Humanidade caem transportadas pelas rajadas e os golpes de vento, mas para renascerem mais vivas sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.
Para o materialista, os flagelos destruidores são calamidades sem compensações, sem resultados úteis, uma vez que, em sua opinião, aniquilam os seres sem retorno. Mas para aquele que sabe que a morte não destrói senão o envoltório, não têm as mesmas consequências, e não lhe causa o menor temor, porque lhe compreende o objetivo, e sabe também que os homens não perdem mais morrendo juntos do que morrendo isoladamente, uma vez que, de uma maneira ou de outra, é preciso sempre lá chegar.
Os incrédulos rirão destas coisas e as tratarão como quimeras; mas, o que quer que digam, eles não escaparão à lei comum; cairão por sua vez como os outros, e, então, o que será deles? Eles dizem: nada; mas viverão apesar de si mesmos, e serão forçados um dia a abrir os olhos.
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Nota. – A comunicação seguinte nos foi dirigida durante a viagem que acabamos de fazer, da parte de um de nossos queridos protetores invisíveis; se bem que ela tenha um caráter pessoal, liga-se também à grande questão que acabamos de tratar e que ela confirma, e, a este título, está tanto melhor colocada aqui, que as pessoas perseguidas por suas crenças espíritas nela encontrarão úteis encorajamentos.
Bibliografia
« Paris, 1° de setembro de 1866
Revista Espírita Abril 1866 – Allan Kardec. Suite à l’article Paris, abril de 1866. Méd. Sr. M. e T., em sonambulismo.