Apresentação.
O coração é um dos órgãos mais importantes e sensíveis que compõem o organismo.Todas as formas de vida animais possedem um coração. A sua existência manifesta-se no ritmar da circulação sanguínea, que como se sabe alimenta e oleia todo o corpo. A sua sensibilidade é tal, que nossos pensamentos fazem-no bater com mais ou menos intensidade.
Fernando de Padua, Professor em Cardiologia e presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, no seu opúsculo « O essencial sôbre O coração » editado em 1986, diz a respeito deste órgão : « O coração é um órgão musculoso, situado a meio e no meio do peito, que serve de motor principal para a circulação do sangue, factor essencial da manutenção da vida do nosso organismo : impulsa deste modo o oxigénio e os nutrientes para todas as regiões do corpo, ao mesmo tempo que recolhe a anidrido carbônico e todos os « detritos » do nosso metabolismo, a fim de serem eliminados pelos pulmões e pelos rins. »
Anatomia (1).
« O musculo cardíaco é constituído sobretudo por faixas circulares ou helicoidais de fibras musculares que contornam as câmaras cardíacas : a aurícula direita e o ventrículo direito e a aurícula esquerda e o ventrículo esquerdo. A aurícula direita esta ligada por um lado às veias, oriundas de todo o organismo, que nela vão desaguar através das veias cavas, e por outro ao ventrículo direito, através duma válvula tricuspida (isto é com três cuspides ou valvas).
O ventrículo direito por sua vez comunica com a artéria pulmonar, estabelecendo assim a continuidade com a chamada arvore ou rede circulatória pulmonar.
Por seul ado, na aurícula esquerda, abrem-se as quatro veias pulmonares, ao mesmo tempo que comunica com o ventrículo esquerdo pelo orifício mitral, que tem uma válvula bicuspida, a que chamamos válvula mitral. O ventrículo esquerdo, se por um lado comunica com a aurícula esquerda, comunica por outro orifício com a aorte, a grande artéria principal de onde irradiam todas as outras para o resto do organismo.
Esta bomba, ou este motor, sue é o nosso coração, impulsionando o sangue que vitaliza todo o organismo, tem por sua vez o seu proprio sistema de alimentação, mercê de artérias que saem da aorta e o envolvem como uma coroa – e por isso se chamam « artérias coronárias » – e de um sistema de veias que se reúnem no seio venoso coronário, desaguando na aurícula direita. Tem ainda o coração um sistema nervoso proprio, em relação com o sistema nervoso vegetativo, e mercê dele pode fazer toda a espécie de adaptações automáticas, acelerando seu ritmo ou afrouxando, em resposta às alterações do meio exterior ou interior, incluindo as da esfera psíquica, as emoções por exemplo.
Tem além disso o coração o seu proprio sistema eléctrico, espécie de bateria que lança impulsos a partir duma zona a que chamamos primum movens (que significa « o primeiro a mover-se ») situada na aurícula direita, dai partindo toda uma rede de « fois » que se espraiam pelas duas aurículas, passam depois por um condutor comum para os ventrículos e de novo se espraiam por toda a massa de musculo (ou miocárdio) ventricular. Deste modo é transportado a todas as zonas do coração o impulso eléctrico que vai desencadear as alterações metabólicas (movimento de iões, sódio, potássio e cálcio, para dentro e para fora das células) que condicionam a contracção das fibras musculares cardíacas, e portanto o bater do coração, e consequentemente o movimento da corrente sangüínea.
A fim de facilitar os seus movimentos de contracção e distensão (sístole e diastole), sem interferir com os outros órgãos contidos no tórax, o coração é envolvido por uma membrana dupla, o pericárdio, com um folheto interior aderente ao coração e outro exterior, separados os dois por uma mínima quantidade de liquido que actua como lubrificante e permite o constante mover do coração.
Fisiologia.
Mercê da circulação do sangue, os resíduos metabólicos provenientes de todo o organismo, incluindo o anidrido carbônico, são trazidos ao « coração direito» (aurícula e ventrículo direitos).
O ventrículo direito contrai-se e bombeia o sangue que recebe para o circuito pulmonar – artéria pulmonar, capilares pulmonares e veias pulmonares – retornando depois ao coração esquerdo (aurícula e ventrículo esquerdos). Nesta passagem do sangue pela circulação pulmonar (a que chamamos pequena circulação) o anidrido carbônico dissolvido passa dos vasos sanguíneos para as vias aéreas e é exalado com a expiração, ao mesmo tempo que em troca é captado o oxigénio que chegou até aos alvéolos pulmonares, mercê da inspiração.
O sangue, de novo oxigenado, que entra no coração esquerdo vindo das veias pulmonares é impulsionado pelo ventrículo esquerdo para a aorta e dai para todas as outras artérias mais periféricas, irrigando todo o organismo – é a grande circulação.
Como atras dissemos, esta circulação do sangue, mantida pela actividade do coração, para além se permitir as trocas gasosas (absorção de oxigénio e eliminação de anidrido carbônico) permite também transportar dos tecidos para os órgãos excretores, mais especialmente o rim, os catabolitos, isto é, os resíduos de toda a actividade metabólica do nosso organismo.
Por outro lado é também a circulação sanguínea que recebe do aparelho gastrointestinal todas as substâncias nutritivas absorvidas no estômago ou no intestino durante a digestão, fazendo-as passa rem primeiro lugar pelo fígado, órgão desintoxicador por excelência e uma das principais « fabricas) de materiais novos do nosso organismo.
Todo este trabalho incessante, todo este circular do fluido sanguíneo que mantém o cérebro a trabalhar e permite a manutenção da vida e de todos os processos vitais, vegetativos ou conscientes, é conseguido pelo pulsar constante desse motor situado no centro do tórax, com a ponta desviada para a esquerda (onde nos o sentimos) batendo mais ou menos 70 vezes por minuto, todas as horas, todos os dias, todos os meses e todos os anos, a começar logo nas primeiras semanas da vida intra-uterina.
Ja dissemos que esta pequena maquina (que hoje ja pode ser substituída por uma maquina artificial), para além de possuir uma verdadeira bateria – o nódulo sinusal – capaz de gerar por todo o seu tempo útil (toda a nossa vida !) as descargas eléctricas que asseguram o pulsar do coração, consegue também (num requinte de auto-suficiência) assegurar a sua própria manutenção, por meio duma circulação sanguínea privada – as artérias coronárias, os capilares e as veias – e duma intervenção privativa, dependendo directamente dos núcleos nervosos centrais (vagal e simpático).
Assegurado o seu funcionamento constante, o coração consegue bombear 70 a 80 centímetros cúbicos de sangue em cada batimento, ou seja, um débito de 4 a 6 litros por minuto. A força da contracção cardíaca e o volume de sangue impulsionado transmitem à corrente sanguínea uma certa pressão, contrabalançada pela resistência à distensão oferecida pelas paredes arteriais : por isso se fala em « pressão sanguínea » ou em « pressão arterial ». O valor da pressão arterial no adulto varia entre 1000 e 140 milímetros de mercúrio (100-140 mm Hg) para a pressão sistólica, ou maxima – consequente à contracção do musculo cardíaco e à expulsão do sangue – e entre 60 e 90 milímetros para a pressão diastólica, ou minima, correspondendo à fase de relaxamento muscular entre duas pulsações consecutivas.
São estes os números de que normalmente falamos, quando dizemos, em centímetros, que a pressão arterial normal varia entre 10/6 e 14/9, isto é, 10 a 14 cm para a maxima e 6 a 9 cm para a minima (entre 10/6 e 14/9 todos os valores são normais !).
Note-se todavia que isto é so meia verdade – pois que as variações da tensão arterial ao longo do dia e da noite, na vigília e no sono, são ainda maiores, numa so pessoa e num so dia. O mesmo alias sucede com a pulsação, que se diz variar normalmente entre 60 e 100 pulsações por minuto. Fala-se também aqui dos valores obtidos nas condições mais habituais de observação e exame.
Diga-se por curiosidade que no « coração direito » o regime tensional, so mensurável com técnicas especiais de cateterismo cardíaco, é muito mais baixo, com a pressão sistólica na artéria pulmonar não excedendo 25 mm Hg. Por isso o ventrículo direito tem paredes musculares muito mais delgadas que o ventrículo esquerdo : àquele basta uma pressão de 2,5 cm, enquanto este tem de ter uma força de contracção de entre 10 e 14 cm de mercúrio.
Patologia.
Agora vamos falar-lhes, de forma também significada, das diversas alterações que em condições anormais podemos encontrar num coração doente. Não é nossa intenção atemorizar, mas informar. Se o saber ja habitualmente não ocupa lugar, no caso do coração pode até ajudar. Ha tanta coisa que depende de nos proprios, em termos de prevenção e mesmo de apoio ao tratamento, que certo nível de conhecimento pode não so facilitar o entendimento dos conselhos médicos como pode ajudar, e muito, a evitar adoecer.
Duma forma sistemática, e falando do que é mais frequente, diríamos que o coração pode nascer anormal, como é o caso das doenças cardíacas congénitas, ou pode adoecer mais tarde, por influência de agentes externos, e falamos de caridiopatias adquiridas.
Exemplos de doenças congénitas são as malformações cardíacas em que a anatomia surge profundamente alterada, às vezes porque a mãe contraiu rubéola durante a gravidez, outras por doença hereditária, e a maior parte das vezes sem que saibamos a sua verdadeira causa. Os casos mais evidentes de doença cardíaca congénita são aqueles em que o bébé, ao nascer ou nos primeiros dias ou semanas de vida, começa a ficar roxo – falam os médicos em cianose e os leigos em « doença azul ». Reflete essa coloração da pele a sua irrigação com sangue pobre em oxigénio, porque a anatomia alterada do coração doente facilita que o sangue venoso se misture ao arterial.
Dentre a raridade destas situações, uma das mais frequentes é a chamada « tetralogia de Fallot », doença cardíaca congénita em que a aorta, mal colocada sobre o septo que separa os dois ventrículos, acaba por receber sangue de ambos. E a entrada de sangue venoso, directamente do ventrículo direito para a aorta (portanto sem passar pelos pulmões) que faz que pelas artérias da grande circulação circule sangue não oxigenado – dai a coloração roxa. Uma operação, com criação cirúrgica de uma comunicação entre a aorta e a artéria pulmonar, ira permitir desviar para o pulmão parte do sangue da aorta a fim de poder receber oxigénio e melhorar a cianose. Este tratamento paliativo esta hoje a ser substituído por uma cura definitiva com reconstituição completa da anatomia normal, mercê dos progressos da cirurgia cardíaca.
Outra doença cardíaca congénita cianotica, (i.e., com cianose) ainda mais complexa, é a « transposição dos grandes vasos » : nesta malformação, as grandes artérias que saem do coração estão « transpostas », isto é, nascem trocadas, saindo a aorta do ventrículo direito e a artéria pulmonar do « ventrículo esquerdo.
(…a continuar…)
Bibliografia
(1) Extratos do opúsculo, assinalado a cima, do Professor-Doutor Fernando de Padua.