Percorrendo o Evangelho
Na leitura de O Evangelho Segundo o Espiritismo, no inicio do capitulo X esta escrito : «1. Bem-aventurados os misericordiosos, porque êles alcançarão misericordia.» «2. Porque se vos perdoardes aos homens as ofensas que tendes dêles, também vosso Pai celestial vos perdoara os vossos pecados. Mas se não perdoardes aos homens, tão pouco vosso Pai perdoara os vossos pecados. «3. Portanto, se teu irmão pecar contra ti, vai, e corrige-o entre ti e êle so ; se te ouvir ganhado teras teu irmão.
Então, chegando-se Pedro a êle, perguntou : Senhor, quantas vêzes podera pecar meu irmão contra mim, para que lhe perdoe ? Sera até sete vêzes ? Respondeu-lhe Jesus : Não te digo que até sete vêzes, mas que até setenta vêzes sete vêzes. » (São Mateus, cap. XVIII, v. 15, 21, 22, ).
E Allan Kardec faz os seguintes comentarios : « 4. A misericordia é o complemento da doçura, porque os que não são misericordiosos não costumam ser benignos e pacificos. A misericordia consiste no esquecimento e no perdão das ofensas. O odio e o rancor denotam uma alma sem elevação e sem grandeza, porque o esquecimento das ofensas é proprio das almas elevadas, que estão fora do alcance do mal que se lhes queira fazer. Uma esta sempre ansiosa, é de uma sombria susceptibilidade e cheia de fel ; a outra esta serena, cheia de mansuetude e de caridade.
Infeliz do que diz : não perdoarei nunca ; porque se não fôr condenado pelos homens, certamente sê-lo-à por Deus. Com que direito reclamara o perdão de suas faltas, se êle proprio não perdoa as alheias ? Jesus nos ensina que a misericordia não deve ter limites, quando diz que se deve perdoar ao irmão não sete vêzes, mas setenta vêzes sete vêzes.
Ha, entretanto, dois modos diversos de perdoar. O primeiro é grande e nobre, verdadeiramente generoso, sem segunda intenção ; maneja delicadamente o amor proprio a susceptibilidade do adversario, mesmo quando êste tem toda a culpa.
O segundo é quando o ofendido ou o que como tal se julga, impõe ao outro condições humilhantes e faz sentir o pêso de um perdão que irrita, em vez de acalmar ; se estende a mão não é por benevolência, mas por ostentação, a fim de poder dizer a todos : olhai como sou generoso ! Em tais circunstâncias é impossivel que a reconciliação seja sincera de uma e de outra parte.
Não ! Isto não é generosidade ; é uma das multiplas formas de satisfação do orgulho. Em toda contenda, o que se mostra mais conciliador, que demonstra mais desinterêsse, mais caridade e mais verdadeira grandeza de alma, conquistara sempre as simpatias das criaturas imparciais.
Comentarios sôbre julgamento
Discorrendo no Evangelho Segundo o Espiritismo, sôbre a questão do Argueiro e a trave no ôlho Allan Kardec comenta : «10. Uma das extravagâncias da humanidade é ver o defeito alheio antes do proprio. Para julgar-se a si mesmo seria necessario examinar-se ao espelho, transportar-se para fora de si, considerando-se como outra pessoa e perguntar : Que pensarias se visses os outros fazerem o que fazes ?
Incontestavelmente é o orgulho que leva o homem a dissimular suas proprias faltas, tanto morais quanto materiais. Tal extravagância é essencialmente contraria à caridade, porque a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente ; a caridade orgulhosa é um contrasenso, pois que esses sentimentos se anulam.
Com efeito, como pode um homem, bastante futil para acreditar na importância de sua personalidade e na supremacia de suas qualidades, ter ao mesmo tempo bastante abnegação para fazer ressaltar em outrem o bem que poderia eclipsa-lo, em vez do mal que poderia pô-lo em realce ?
Se é orgulho a origem de muitos dos nossos vicios, também é a negação de muitas virtudes ; encontramo-lo no fundo e como movel de quase todas as acções. Por isto Jesus tanto se empenhou em combatê-lo, como o maior entrave ao progresso.
« Não queiréis julgar, para que não sejais julgados. – Pois com o juizo com que julgardes, sereis julgados ; e com a medida com que medirdes, vos medirão também a vos. » (Mateus, VII ; 1.2).
Comenta Allan Kardec
« 13. O que de vos outros esta sem pecado seja o primeiro que a apedreje », disse Jesus. Esta maxima torna a indulgência um dever, porque não ha quem não necessite de indulgência. A indulgência ensina que não devemos julgar aos outros com mais severidade do que nos julgamos a nos proprios, nem condenar nos outros aquilo que a nos mesmos nos perdoamos. Antes de lançar em rosto a falta de alguém, consideremos se a mesma reprovação não nos poderia atingir.
A reprovação da conduta alheia pode ter dois moveis ; reprimir o mal ou desacreditar a pessoa cujos actos são criticados. Este ultimo motivo jamais tem excusa, porque é maledicência e maldade. O principio pode ser louvavel e, em certos casos, é um dever, porque dêle pode resultar um bem e porque sem isto jamais o mal seria reprimido na sociedade.
Por outro lado, não deve acaso o homem ajudar o progresso de seus semelhantes ? Não se deve, pois, tomar o principio no sentido absoluto – « Não julgueis para não serdes julgados » – porque a metra mata e o espirito vivifica.
Jesus não podia impedir que se reprovasse o mal, de vez que êle proprio deu exemplo, e em termos enérgicos. Quis, porém, dizer que a autoridade da reprovação esta na autoridade moral de quem a pronuncia ; tornar-se culpado daquilo que se reprova nos outros é abdicar dessa autoridade ; é, além do mais apropriar-se do direito de repressão.
A consciência intima, de resto, nega todo respeito e tôda submissão voluntaria àquele que, revestido do poder, viola as leis e os principios que esta encarregado de aplicar : Aos olhos de Deus so é autoridade legitima a que se apoia sôbre o bom exemplo. E o que resulta, alias, das palavras de Jesus.
Bibliografia
Este texto baseia-se no « Evangelho Segundo o Espiritismo » de Allan Kardec, Capitulo X, paginas 108, 109, 110, 111 e 112.