Lemos em Léon Denis – II.

Continuando a nossa leitura de Cristianismo e Espiritismo de Léon Denis, grande pensador espírita, transcrevemos para o leitor, extratos que certamente o ajudarão a melhor compreender qual o papel do homem na Terra e a marcha que este vai efectuando, desbravando o seu proprio destino e adaptando-o as suas necessidades de progresso, evolução moral e aperfeiçoamento espiritual.

De nada, ou muitíssimo pouco, lhe serviria viver uma única existência se esta não lhe permite concretizar os objectivos do progresso que deve realizar, afim de se melhorar, em sintonia com as energias e as forças naturais que o propulsam no seu existir e lhe abrem possibilidades, horizontes, que o bom senso diz, ser preciso o tempo necessário para as realizar. E o tempo necessário, neste caso, é a imortalidade e o renascimento, em função da Lei do Progresso.

Para Léon Denis: « Deus é o conhecimento, a sublime claridade, um raio da qual ilumina toda a consciência humana. (1) A marcha da Humanidade (2) se efectuara em demanda dos elevados cimos. O espírito moderno se libertara, cada vez mais, dos preconceitos do passado. A vida perdera o aspecto cruel dos séculos ferrenhos, para tornar-se o campo fecundo e pacífico, no qual o homem trabalhara no desenvolvimento de suas faculdades e qualidades morais.

Lá não chegamos certamente, ainda; o mal na Terra não está extinto; a luta não terminou. Os vícios, as paixões fermentam no fundo da alma humana. Há que temer ainda conflitos terríveis e tempestades sociais. Por toda a parte, surdos ruídos, veementes reivindicações se fazem ouvir. A luta é necessária nos mundos da matéria, para arrancar o homem ao seu torpor, aos seus grosseiros apetites, para preparar o advento de uma nova sociedade.

Como a centelha brota do atrito das pedras de fuzil, assim, ao choque das paixões pode surgir um ideal novo, uma forma superior da justiça, pela qual a Humanidade modelará as suas instituições. O homem moderno já sente aumentar em si a consciência do seu papel e do seu valor. Em breve ele se sentirá vinculado ao Universo, participando da sua vida imensa; reconhecer-se-à para sempre cidadão do céu.

Por sua inteligência, por sua alma, o homem saberá intervir, colaborar na obra universal; tornar-se-à criador por sua vez; far-se-à operário de Deus. A nova revelação ter-lhe-à ensinado a conhecer-se, a conhecer a natureza da alma, o seu mister e os seus destinos. Ela lhe atestara o duplo poder que possui sobre o mundo da matéria e o do espirito.

Todas as incoerências, todas as aparentes contradições da obra divina ser-lhe-âo esclarecidas. O que denominava mal físico e mal moral, tudo o que se lhe figurava negação do bem, do belo, do justo, se unificara nos contornos de uma obra majestosa e solida, na harmonia de sabias e profundas leis.

O homem verá desvanecer-se o sonho aterrador, o pesadelo da condenação; elevara a alma até ao espaço em que se expande o divino pensamento, até ao espaço de onde desce o perdão de todas as faltas, o resgate de todos os crimes, a consolação para todas as dôres, até ao espaço radiante em que a misericórdia eterna assenta o seu império. As potências do inferno se dissiparão para sempre; o reino de Satanás terá findado; a alma, liberta dos seus terrores, rir-se-a dos fantasmas que tanto tempo a amedrontaram.

Deveremos falar da ressureição da carne, dogma segundo o qual os átomos do nosso corpo carnal, disseminados, dispersos por mil novos corpos, devem reunir-se um dia, reconstituir nosso invólucro e figurar no juízo final? As leis da evolução material, a circulação incessante da vida, o jogo das moléculas que, em inúmeras correntes, passam de forma em forma, de organismo em organismo, tornam inadmissível essa teoria.

O corpo humano constantemente se modifica; os elementos que o compõem renovam-se completamente em alguns anos. Nenhum dos átomos actuais da nossa carne se tornara a achar na ocasião da morte, por pouco que se prolongue nossa vida, e os que então constituíram o nosso invólucro, serão dispersos aos quatro ventos do infinito.

A maior parte dos padres da Igreja o entendiam doutro modo. Conheciam eles a existência do perispírito, desse corpo fluido, sutil, imponderável, que é o invólucro permanente da alma, antes, durante e depois da vida terrestre; denominavam-no corpo espiritual. São Paulo, Orígenes e os sacerdotes de Alexandria afirmavam sua existência. Na sua opinião, os corpos dos anjos e dos escolhidos, formados com esse elemento sutil, eram « incorruptíveis », delgados, tênues e soberanamente ágeis. »

Por isso não atribuíram eles a ressureição senão a esse corpo espiritual, o qual resume, em sua substância quintessenciada, todos os invólucros grosseiros, todos os revestimentos perecíveis que a alma tomou, depois abandonou, em suas peregrinações através dos mundos. O perispírito, penetrando com sua energia todas as matérias passageiras da vida terrestre, é de facto o corpo essencial.

A questão achava-se, por esse modo, simplificada. Essa crença dos primeiros padres no corpo espiritual lançava, além disso, luz vivíssima sobre o problema das manifestações ocultas. Tertuliano diz (« De carne Christi », cap. VI): « Os anjos têm um corpo que lhes é proprio e que se pode transfigurar em carne humana; eles podem, por certo tempo, tornar-se perceptíveis aos homens e com eles comunicar visivelmente. »

Torne-se extensivo aos espíritos dos mortos o poder que Tertuliano atribui aos anjos, e ai teremos explicado o fenômeno das materializações e das aparições! Por outro lado, se consultarmos com atenção as Escrituras, notaremos que o sentido grosseiro atribuído à ressureição, em nossos dias, pela Igreja, não se justifica absolutamente. Aí não encontraremos a expressão: ressureição da carne, mas antes: ressuscitar dentre os mortos (a mortuis resurgere), e, num sentido mais geral: a ressureição dos mortos (resurrectio mortuorum). E grande a diferença.

Segundo os textos, a ressureição tomada no sentido espiritual é o renascimento na vida de além-tumulo, a espiritualização da forma humana para os que dela são dignos, e não a operação química que reconstituísse elementos materiais; é a purificação da alma e do seu perispírito, esboço fluídico que conforma o corpo material para o tempo de vida terrestre. E o que o apostolo se esforçava por fazer compreender: « Semeia-se o corpo em corrupção, ressuscitará em incorrupção; semeia-se em vileza, ressuscitará em glória; semeia-se em fraqueza, ressuscitará em vigor. E semeado o corpo animal, ressuscitara o corpo espiritual. Eu vo-lo digo, meus irmãos, a carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus, nem a corrupção possuirá a incorruptibilidade. »

Muitos teólogos adoptam essa interpretação, dando aos corpos ressuscitados propriedades desconhecidas da matéria carnal, fazendo-os « luminosos, ágeis como Espíritos, sutis como éter, e impassíveis ». Tal o verdadeiro sentido da ressurreição dos mortos, como os primeiros cristãos a entendiam. Se vemos, em uma época posterior, aparecer em certos documentos, e em particular no símbolo apócrifo dos apóstolos, a expressão « ressurreição da carne », é isso sempre no sentido da reencarnação – isto é, de volta à vida material – acto pelo qual a alma reveste uma nova carne para percorrer o campo de suas existências terrestres.

 

Concluímos

 

Por aqui se vê o grande afastamento, que se produziu ao longo dos séculos, da idéia fundamental em que assentava a crença dos primeiros cristãos, relativamente à vida material, consequência da encarnação do Espírito, ou volta à vida corporal, depois de ter residido alguns anos no mundo espiritual. Ora, nada disso aparece, hoje, na crença ensinada pelas diversas igrejas cristãs. Antes, todas as explicações dadas são materialistas e sem fundamento na realidade do que é fundamentalmente o Homem e Espírito (entidade tríplice) que se reencarna.

 

 


 

Bibliografia

 

(1) Léon Denis – « Cristianismo E Espiritismo » Departamento editorial da FEB – Brasil – 10a edição. De 11.1994. Tradução para português de Leopoldo Cirne. p 95.

(2) Léon Denis ao escrever a palavra humanidade utiliza uma letra maiúscula, Humanidade. Léon Denis fala, aqui, tanto do homem quanto da mulher.