Desencontros e Reencontros.

« A lei superior do Universo é o progresso incessante, (1) a ascensão dos seres até Deus, foco das formas mais rudimentares da vida ; por uma escala infinita, por meio de transformações inumeráveis, nos aproximamos d’Ele. »

O progresso, o aperfeiçoamento constante, deve consequentemente servir para que nos elevemos, até à Suprema Nascente da Vida e colaborarmos na Obra Criadora de Deus, depois de termos passado e atravessado todas as condições em que a vida se move, desde as mais elementares, até às superiores.

A escala infinita percorre-se por meio de reencarnações inúmeras e estados sucessivos de não-reencarnação, vividos na vida espiritual. Ora, esta viagem constitui uma imensa caminhada do Espirito, que nela vai conhecer as mais diversas situações, necessárias a sua transformação e, que de ascensão em ascensão conhecera, finalmente a condição de Espirito Superior.

Nesta sublime odisseia, nesta marcha alteante, sera submetido ao ‘limar de arestas’, à rectificação necessária e precisa, aonde conhecera momentos de grande aflição e intranquilidade, horas graves nas quais a dôr não deixara de estar presente, e a par da qual as feridas surgidas no combate e na luta por uma vida melhor, libre e emancipada dos vícios e outros distúrbios, servirão para a pausa precisa, para tratamento e cura, que lhe garantirão um melhor bem-estar, intimo e feliz.

Léon Denis diz que : « Assim como o mineral bruto, sob a acção do fogo ou das aguas, se transforma pouco a pouco em metal puro, assim também a alma, incitada pelo aguilhão da dor, se modifica e fortalece. »

Fortalecer, reforçar, crescer e qualificar-se na senda da vida e das reencarnações, é defacto, o proprio da natureza humana. Por isso os caracteres se mudam em função de tendências que acabam e de embalos e impulsos que lhe tomam o lugar, estabelecendo novos caracteres por tempo indeterminado, isto é até à próxima mudança. E quantas vêzes a mudança só é conseguida quando aguilhoada pela dor, talvez mesmo por sofrimento moral, e um mundo desconhecido de circunstâncias que lhe nortearão a marcha em frente.

Queimar, derreter, até ao desaparecimento total, os vícios e afetos desnecessários, eliminar toda a impureza, para permitir o jorro e o brilho do metal puro, eis a dinâmica da dor, seja ela, uma vez mais reforçamos o traço, física ou moral. Todo este rodopio reconstrutor, tem por fim a purificação do ser e seu crescimento espiritual.

Viver, no tôsco, o tempo necessário, para se redimir, apurar e encontrar novos apoios e meios de seguir nos sendeiros da purificação, e conseguir construir pontes para seguir mais além da matéria bruta, e dai penetrar a rarefeição e seguir o movimento impulsionador em direcção do indelével, eis a rota indicada ao Homem e, assente na Lei do Progresso.

E assim vamos conhecendo o alivio, em relação ao passado primitivo, lugubre e tôsco, da natureza humana. Sem estes meios postos a disposição do nosso progresso, seria incompreensível a nossa existência e o seu porquê ! Uma vida sem objectivo, sem finalidade, nem determinismo, seria um existir en direcção do nada, o que equivaleria a uma não-existência. Fazemos ainda apelo a Léon Denis (2) que nos lembra que : « Assim, pois, se deixamos sobre os vestíbulos da vida as mais perigosas lembranças, trazemos entretanto os frutos e as consequências dos trabalhos realizados, isto é uma consciência, um discernimento, um caracter, tais como nos mesmos os formamos. As idéias inatas não são mais que a herança intelectual e moral que vêm das nossas vidas passadas. »

Vemos e reforçamos a convicção, de que nada é inutil, quando se trata de reencontros existenciais, que nos auxiliam de maneira inequívoca e imperecível a mudarmos e a progredirmos.

Os reencontros resultam de programações efectuadas, antes de nos reencarnarmos, cujo fim obedece à lei de Causa e Efeito, de aproximação e partilha mutuas, sem a qual, de nada serviria haver diferenças e estados evolutivos diversos, o que permite a realização do intercâmbio individual e colectivo. Seja na família, no trabalho, ou em qualquer outra fonte de actividade humana. Tudo deve ser compartilhado e submetido à lei de comparação e utilidade.

O reencontro aqui ou no continente espiritual, devera ser acompanhado de modéstia, de aceitação mutua e bondosa, enquanto ingrediente que se vai misturar e fixar no existente anterior da condição evolutiva do Espirito, para se modificar e transformar numa nova visão de si-proprio, da vida e do mundo aonde se reencarna e volta ao reencontro.

E, neste constante vai e vem, neste perpétuo limar das nossas convicções, que vamos encontrando alimento sadio e melhorado, condizente com a mudança que se almeja. Necessário para nos fortificarmos e resistirmos aos ataques e abalos da matéria bruta. Léon Denis afirma que : « … o homem prudente e inspirado pela luz da razão vera resplandecer os seus destinos. Esclarecido sobre o alvo da vida e sobre o porquê das coisas… » (3)

 

Dois mundos que se influenciam e assistem.

 

Dos assaltos da matéria, dos freios que ela impõe ao Espirito na senda do progresso, resulta uma série de predicados e virtudes, que se vão forjando nessa resfrega, entre a derrota das concepções anteriores e a conquista de sentimentos reformados, enquanto elos que religam a corrente que nos conduz ao alvor de outro amanhecer ensoleirado e luzidio. E ai que almejamos o no dos nossos destinos, para o desfazermos e, mantermos o percurso que nos conduz à Luz Divina.

Tudo esta previsto e tudo obedece à Lei Superior que comanda as nossas encarnações e desencarnações, a Vida e o destino que nos foi traçado com o objectivo de alcançarmos o Reino de Deus, do qual ja nos falavam Jesus e os seus apóstolos. « Na Casa de meu Pai ha muitas moradas », nas quais devemos pernoitar para ascendermos cada vez mais para os raios de luz espiritual que iluminam o Espirito e tornam visíveis os caminhos que vamos palmilhando.

E como existem muitas moradas, na Casa do Pai, isto significa que encontraremos muitas situações, que os encontros e reencontros são ilimitados e, deverão ser cultivados segundo a Lei Dinâmica e Propulsora para intercâmbios a realizar no mundo das formas materiais e na espiritualidade.

Sabemos que depois da morte corporal o Espirito encontra-se no Mundo Espiritual, e segundo as condições que forem as suas, poderá efectuar um numero incalculável de encontros ou reencontros, com aquêles que o precederam na viagem para além-túmulo e nesses encontros, entre desencarnados, se lhe descortinarão imensas possibilidades de aprendizagem, através de trocas e afazeres que o mundo espiritual, põe à disposição de quantos procuram progredir e aperfeiçoar-se.

Segundo o nível, alcançado pelos Espíritos, e os merecimentos que este implica, seremos guiados para comunidades aonde se desdobra a divina bondade e o amor do Criador, sempre amparando e sustentando no sentido do crescimento das virtudes que vamos granjeando. Existem ai, inúmeras possibilidades de trabalho benfeitor, ajustadas às possibilidades e capacidades do Espirito.

E isto que nos transmitem através da mediunidade os inúmeros desencarnados que se manifestaram, ao longo dos milénios e dos séculos. Mais particularmente desde que a Doutrina dos Espíritos abriu para muitos de nos as portas do céu, explicando e franqueando essas relações e comunicações, entre os Espíritos desencarnados e os encarnados, afim que entendêssemos que com o fenômeno da morte corporal nada esta perdido e que as relações de amizade sincera e de amor não se extinguem, antes se reforçam.

Da mesma forma o desamor, que é consequência de inimizades e até de batalhas que se forjaram entre muitas das encarnações efectuadas ao longo dos milénios, e até, mesmo, numa ultima das reencarnações vividas, também encontra reciprocidade nos nossos irmãos que ainda não conseguem perdoar e não esquecem seus concurrentes, e até comparsas, e, os atormentam, seja na vida terrestre, seja no mundo do Espirito se nele se encontram.

E neste campo das reciprocidades, torna-se mais do que nunca necessário dar cumprimento ao convite de Jesus, dizendo para perdoar-mos, estabelecendo assim a primeira ponte de entendimento, para nos elevarmos à fraternidade e dai restabelecermos o amor que é a finalidade comum a todos os Espíritos, tanto na Terra quanto no Mundo Espiritual.

Os Espíritos encarnados e desencarnados, não podem viver e entender-se, cooperando, sem que entre eles existam pontos comuns de respeito, de amizade e vontade de construção comum. Este é o destino de todos nos e para isso devemos eleger a Lei do Progresso como meio de nos consentir o poder de nos amar-mos. Dai o enveredarmos pelo mais seguro caminho que nos leva ao encontro fraterno com os outros.

O Espiritismo, explica, mas não só, pois convida-nos a conquistarmos e a aperfeiçoarmos virtudes, pondo um ponto final aos nossos desencontros, tão antigos quanto as nossas pelejas e oposições acérrimas. A historia da nossa existência, através dos tempos, entre séculos e milénios de constrangimentos, encontrara solução na nossa vontade e no investimento preciso que faremos para pôr um termo ao passado guerrilhento, escolhendo um futuro de reconstrução e refazimento moral, via a emancipação ética suprema.

 


 

Bibliografia

 

(1) – Livro « O Porquê da Vida » de Léon Denis, pag. 31, cap. VI – Justiça e Progresso.

(2) – Ainda a mesma obra citada e mesmo capitulo, pag. 35.

(3) – O mesmo capitulo, pag. 38.