É válido indiscutivelmente o conceito de igualdade na acepção de respeito aos direitos comuns, os direitos intrínsecos da pessoa humana em qualquer nível social: preservação da integridade física, oportunidades para estudar e melhorar-se, liberdade de escolha de seus objetivos profissionais, intelectuais e religiosos. Igualdade, portanto, nos direitos essenciais.
Nosso conceito de igualdade, porém, não vai ao irrealismo de imaginar uma sociedade em que todos tenham o mesmo « trem de vida », as mesmas regalias, as mesmas qualificações sociais. Na luta pela vida, sob a pressão das competições, sempre se defrontam capacidades diferentes, com interesses conflitantes.
O emprego do livre arbítrio, por sua vez, está sujeito às variações circunstanciais nos empreendimentos e nos modos de proceder ou de julgar as coisas. Ao lado, por exemplo, dos que querem vencer e, por isso, estudam, trabalham, enfrentam todos os reveses, há muitos que não querem sair da comodidade, não se esforçam para mudar de posição, porque preferem ficar onde estão, cultivando a displicência como regra de vida.
Ora, o indivíduo operoso e realizador, porque leva a vida a sério não se confunde com o preguiçoso, que se anula por si mesmo no grupo social.
Figuremos de passagem o caso de dois irmãos, cujo pai tenha dado oportunidade ou chances, como se diz correntemente, tanto a este como àquele. O primeiro trabalhou, não esbanjou o tempo, preparou-se para ocupar lugares mais altos, enquanto o segundo deixou tudo correr à vontade, fazendo suas farras, abusando das energias da mocidade.
Mais tarde, na « idade madura », quando as ilusões já estão desfeitas, um irmão está em boa situação, com estabilidade, mas o outro, completamente despreparado, desgastado pelas extravagâncias, está de mãos vazias, nulificado na planície social. De quem a culpa? …
Iguais na origem, no lar de onde saíram, mas visivelmente desiguais na organização/ temperamental, na vontade, nas inclinações.
A sociedade, em suma, é um somatório das desigualdades individuais. Seria então irrealizável a igualdade em termos absolutos. A reencarnação não invalida totalmente o livre-arbítrio. Justamente por isso, se estamos encarando a questão à luz do pensamento espírita, precisamos ter uma visão mais elástica.
De um lado, há quem afirme, por exemplo, que as desigualdades são problemas sociais e, portanto, « nada têm a ver com a reencarnação »; do outro lado, com o mesmo acento categórico, afirma-se que as desigualdades sociais são « conseqüências de nosso passado », e, assim, seria inútil qualquer tentativa de modificação.
Então, a única solução é « deixar como está ». São entendimentos contrários à verdadeira índole da Doutrina Espírita, de um lado e do outro. Nossa posição há-de ser a do meio termo, nunca das definições intransigentes diante da realidade social.
Há, de fato, situações que inferiorizam o indivíduo socialmente, durante uma reencarnação ou mais, por causa da rede expiatória de envolvimentos que o acompanham do passado. Se não cabem no vocabulário espírita as palavras « azar », « má sorte », « capricho do destino » e outras, de uso comum, naturalmente há uma razão para que certos casos perdurem na sociedade, a despeito de todo o empenho que se faça para afastá-los ou atenuá-los.
Se a razão determinante do sofrimento ou das dificuldades não está nesta existência, teremos de encontrá-la no passado, sob a ação da lei moral de « causa e efeito », não pelo que os pais fizeram, mas pelo que o próprio culpado fez, não importa se neste ou noutro século.
Daí, porém, não se segue que todas as injustiças da Terra, efeitos da maldade, do engodo e do orgulho, por exemplo, sejam projeções do passado e, por isso, irremediáveis. Não. Até certo ponto, as deficiências sociais podem ser retificadas pelas atitudes reparadoras, pela luta contra o mal e pelas reações da parte mais sadia da sociedade.
E sempre houve, felizmente, em todos o grupos humanos, os elementos que não se contaminam, ainda que sejam obrigados a transitar pelas mesmas vielas por onde passam o ódio, a baixeza, o vício e a hipocrisia bem enroupada.
Os desafios são uma contingência desse estado de coisas, mas nem todas as ocorrências são fatais. A reparação das brechas que se abrem no organismo social exige a reforma periódica de suas estruturas. É um fenômeno inevitável, sem o que a sociedade não se adaptaria às mudanças impostas pelas necessidades.
Bibliografia
Autor : Deolindo Amorim
Texto publicado originalmente no livro « O Espiritismo e os Problemas Humanos ».
Edição USE, 1985. Primeira edição em 1948.
Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/artigos