O que é o Espiritismo.

Introdução.

 

Um grande número de pessoas não sabem o que é o espiritismo. Outras tem desta doutrina apenas uma vaga idéia, na qual as deturpações e o que dela dizem demonstra que não a conhecem. Outras, ainda, pensam que é uma prática ligada a magias e outras manifestações duvidosas, que só existem na cabeça de médiums. E por fim existem as que nada querem saber, que nunca se interessaram pelos seus fundamentos filosóficos, morais, espirituais, e discursam sôbre esta doutrina como provinda do demônio.

Outras menos avisadas, mas tentando compreender o conteúdo e a prática espírita procuram aqui, ali e acolá, fazem perguntas, mas em muitos casos as respostas que obtém não são as que melhor correspondem à realidade desta doutrina filosófica, nem à prática que lhe corresponde.

O essencial da doutrina espírita, enquanto mensagem, é a transformação do homem, como Espírito encarnado, Alma renascida, que assim vai prosseguir e conseguir aperfeiçoar-se, já que a vida é uma manifestação que se repete, para o aperfeiçoamento, muitas e muitas vêzes.

Convenhamos que a doutrina espírita é também uma forma de estar e viver em sociedade. Que os seus fundamentos tem as suas raízes nas mais antigas sociedades e civilizações, que conhece a história do homem sôbre o planeta. Que do progresso que se foi realizando, também se foi equacionando a postura moral do sêr humano e daí as diversas civilizações, que se sucederam e demonstraram o grau de espiritualização atingido.

Já no século XIX e preparando o porvir, quando do aparecimento do Espiritismo, doutrina codificada e elaborada enquanto ferramenta para servir e cooperar no adiantamento da sociedade, de então, é que Allan Kardec, professor de filosofia e seu codificador, suportou a luta e deu combate à ignorância e à maledicência, em relação ao Espiritismo nascente, e para tal escreveu o livro « O que é o Espiritismo », afim de dar respostas e tirar dúvidas.

Vamos então dar-lhes um resumo, não só útil para quem deseja seriamente saber e conhecer, obtendo como diz no prólogo da referida obra Allan Kardec: « …em tempo restrito e a pequeno custo, colhêr as noções essenciais da questão, mas também aos adeptos, fornecendo-lhes uma resposta pronta a eventuais objeções que não deixarão de lhes ser apresentadas… » (desde então tem sido essa a realidade, sublinhado nosso).

Desde logo Allan Kardec apresenta em resumo a questão formulada no título:

O Espiritismo é ao mesmo tempo, ciência experimental e doutrina filosófica. Como ciência prática, tem a sua existência nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos. Como filosofia, compreende todas as consequências morais decorrentes dessas relações.

Podendo ser definido assim:

O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.

Aqui esta no essencial apresentado o que é, e em que consiste a Doutrina dos Espíritos, porque dêles e das suas manifestações é que ele procede. Não fosse a existência concreta de tais comunicações e relações, através da faculdade por excelência que é a mediunidade, e não poderíamos falar da Doutrina Espirita enquanto instrumento de progresso, na medida em que abra ao Homem as portas do Universo, visível e invisível, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande.

Provas e documentos da mediunidade, existem desde os tempos remotos das grandes civilizações, primeiro no Oriente e depois no Ocidente, passando pelo Oriente médio e pela África do Norte, até tomar como berço a Europa e a França dos meados do século XIX, aonde se estruturou, sendo aqui codificada a mediunidade segundo a ética espírita. Em resumo, o livro foi concebido em forma de « pequena conferência espírita » num diálogo entre um Visitante, fazendo perguntas e Allan Kardec, respondendo-lhe. Conteúdo em três capítulos, abarcando o essencial da doutrina espírita.

 

Capítulo I

 

Visitante – Digo-lhe, senhor, que minha razão a admitir a realidade dos fenômenos extraordinários atribuídos aos Espíritos que, estou persuadido, existem apenas na imaginação. Entretanto, temos que nos inclinar ante a evidência; e isso eu faria se tivesse provas incontestáveis. Venho, pois, solicitar de sua bondade a permissão para assistir, não desejando tornar-me indiscreto, pelo menos a uma ou duas experiências que me convencessem, se isso fôr possível.

Allan Kardec – Caro senhor; se a sua razão se recusa a admitir o que nos consideramos factos irrecusáveis, é que o senhor considera a sua razão superior à de todas as outras pessoas que não participam de suas opiniões. Não duvido absolutamente de seus méritos, e nem tenho a pretensão de alçar minha inteligência acima da sua. Admita, pois, que eu esteja errado, pois é a razão quem lhe fala, e paremos aqui.

V. – Entretanto, se o senhor chegasse a convencer-me, a mim que sou conhecido como um antagonista de suas idéias, isso constituiria um milagre favorabilíssimo à sua causa.

A.K. – Lamento-o; mas não possuo o dom de fazer milagres. O senhor pensa que uma ou duas sessões serão suficientes para o convencer? Isso seria, efectivamente, um verdadeiro prodígio. Foi-me preciso mais de um ano de trabalhos para me convencer a mim mesmo, o que pode provar que, se hoje creio, a isso não cheguei levianamente. Ademais, não organizo sessões; e, ao que parece, o senhor se engana quanto ao objectivo de nossas reuniões, de vez que não fazemos experiências tendo em vista satisfazer a curiosidade de quem quer que seja.

V. – Quer dizer, então, que não se importa de fazer prosélitos?

A.K. – Porque, pois, desejaria eu fazer do senhor um prosélito, quando o senhor mesmo não deseja sê-lo? Não forço quaisquer convicções. Quando encontro pessoas sinceramente desejosas de se instruírem e que me dão o prazer de solicitar esclarecimentos, torna-se-me uma satisfação e um dever responder-lhes nos limites de meus conhecimentos. Quanto aos antagonistas, porém, que como o senhor têm convicções arraigadas, não dou um passo para os desviar, mesmo porque o numero dos que encontro bem preparados é considerável; e isso me dispensa de perder tempo com os que não o estão.

A convicção virá, cedo ou tarde, pela força mesma das coisas; e os mais incrédulos serão arrastados pela correnteza. Nêste momento, uns partidários e mais ou a menos não pesam na balança. Eis porque jamais serei visto preocupado em atrair às nossas idéias aqueles que têm tão boas razões, quanto o senhor, para se distanciarem delas.

V. – Há, não obstante, mais interêsse em me convencer do que o senhor imagina. Permita que eu me explique com franqueza e prometa não se ofender com minhas palavras. Eis as minhas idéias sôbre a coisa em si, e não sôbre a pessoa a quem me dirijo. E óbvio que posso respeitar a pessoa sem participar das suas opiniões.

A.K. – O Espiritismo ensinou-me a dar pouco valor às mesquinhas susceptibilidades do amor proprio, a não me ofender com palavras. Se as suas ultrapassarem os limites da urbanidade e das conveniências, concluirei, apenas, que o senhor é um homem mal educado: só isso. Quanto a mim, prefiro deixar nas pessoas os seus defeitos, a partilhar dêles.

Observe, só isso, que o Espiritismo, afinal de contas, serve para alguma coisa. Repito-lhe, senhor: não tenho absolutamente a pretensão de o fazer participar de minhas opiniões. Respeito a sua, se fôr sincera, assim como desejo que respeitem a minha. Mas, considerando o Espiritismo um sonho absurdo, naturalmente, ao se encaminhar para minha casa, o senhor dizia de si para consigo « Vamos ver êsse louco! » Confesse-o francamente; não me zangarei por isso.

Todos os espiritas são loucos ; isso é coisa convencional. Pois muito bem! O senhor considera tudo isso como uma doença mental e eu sinto um certo escrúpulo, confirmando seu juízo e me espanto de que, com tal pensamento, tivesse vindo adquirir uma convicção que o incluiria no numero dos loucos.

Estando persuadido, de antemão, da impossibilidade de ser convencido, o senhor deu um passo inútil, pois só tem por finalidade satisfazer uma curiosidade. Sejamos breves, pois; eu lhe peço. Não tenho tempo a perde rem conversas sem objetivo.

V. – Podemos nos iludir e nos enganar, sem que por isso sejamos loucos!

A.K. – Fale sem rodeios. O senhor insinua, como tantos outros, que isto é uma novidade de curta duração. Mas é preciso convir que uma novidade, que em alguns anos fêz milhões de prosélitos em todos os países, que conta, entre seus adeptos, sábios de toda a ordem, que se difunde de preferência entre as classes cultas, é uma singular mania digna de ser examinada.

V. – Tenho minhas idéias a respeito, é certo ; mas não são tão firmes que não possam ser sacrificadas à evidência. Disse-lhe que o senhor teria um certo interêsse em convencer-me. Confesso que tenho em vista publicar um livro no qual me proponho demonstrar, ex professo, aquilo que considero um erro. Como êsse livro devera ter grande alcance e, ao que suponho, abrir uma brecha no Espiritismo, não o publicaria se chegasse a ser convencido.

A.K. – Eu me sentiria desolado, senhor, se o privasse dos benefícios de um livro que deve ter tamanha transcendência. Alias, não tenho interêsse em sustar-lhe a publicação. Muito pelo contrário, auguro-lhe uma grande popularidade, principalmente porque o mesmo nos servira de prospecto e de anúncio. O que é atacado, via de regra, desperta a atenção. Inúmeras pessoas desejam conhecer os pros e os contras e a crítica as leva a conhecer, por si mesmas, coisas que não supunham existissem na questão. E assim que, muita vêzes, e sem querer, faz-me reclame do que se tinha em mente combater. A questão dos Espíritos é, por outro lado, cheia da palpitantes interêsses; aguça a curiosidade a tal ponto, que basta chamar a atenção, para provocar o desejo de aprofundá-la. (1)

 

(1) Nos tempos que se seguiram a êste diálogo, escrito em 1859 ; a experiência demonstrou de sobejo a justeza da afirmativa.

 


 

Bibliografia

 

Allan Kardec, « O que é o Espiritismo » 2a edição, Lake, São Paulo 1957. Capítulo Primeiro, pag. 7 a 9.