Musica e Espiritismo.

Temos para nos que a musica é um dos melhores meios de entender Deus. Quando o definimos como inteligência suprema e causa primeira de todas as coisas, que nos quer isso dizer ? E que mesmo andando a interiorizar desde Aristoteles que Deus seja a causa primeira de todas as coisas, ainda assim esbarramos em barreiras intransponiveis ao entendimento, tal como incriado.

Nosso estado evolutivo, Deus, tal como a musica e a matematica, é algo abstracto e perfeito. Tem de diferente que se revela no meio dos homens como amor – e é por eterno, imutavel, infinito, são coisas para além da nossa capacidade actual de compreensão. O amor e a musica sentem-se, não se teorizam, porque se teorizadas perdem toda a substância.

A intelectualização de tudo aquilo que é para ser vivido pelo sentimento produz uma antropologia filosofica marcada pela noção de finitude, logo vincadamente pessimista e ateia, bem assim como a existência perde o sentido teleologico e a vida se resume a jogos de linguagem. Uma das consequências desta postura é a musica concreta e serial e, neste gosto que persiste pela taxinomia, de outros palavrões que pretendiam classificar pomposamente o infero que nada acrescenta à felicidade que tanto procuramos.

O Espiritismo surge então aqui como consolador da carência desse estado almejado – e almejado porque insito nas profundezas do nosso ser, digo, do ser que somos e que em tempo, tanto ocupou as reflexões perdidas de Heidegger. Esse ser que somos, participe do Ser divino porquanto criados à sua imagem e semelhança, encontra pois consolação na imortalidade e na consequência natural e logica da comunicabilidade dos Espiritos, os quais Espiritos, sendo alguns dados às coisas da musica virão, também natural e logicamente, ditar canções através da mediunidade.

Ora, se as casas espiritas tiverem oficinas de musica poderão com propriedade aspirar a um intercâmbio com a espiritualidade nessa area – como poderão aspirar a tê-lo na area do desenho e da pintura, da poesia, da dramaturgia, enfim, em qualquer area da arte e da literatura, e porque não da ciência, desde que se deem ao trabalho.

 

Perguntamos : quem tem medo da musica ?

 

A primeira vista parece que ninguém e essa soaria como a resposta mais obvia. No entanto, ha toda uma praxis que recusa a musica, notadamente nos velorios, onde um entendimento errado da realidade conduziu a determinada convenção social excludente da musica e de que, em regra, nem os espiritas mais convictos se libertaram.

Pior ainda é se fazemos das nossas reuniões espiritas autênticos velorios, seja por reacção ao cantochão liturgico que ecoou por varias das nossas existências terrenas e que agora faz recusemos liminarmente a musica e o canto, seja por desconhecermos o poder catalisador da musica, a qual ajuda efectivamente às nossas catarses e transformações, e mantemos a soturnidade por medo de ofender a Deus com a alegria.

O conhecimento da verdade liberta-nos se esse conhecimento chegar ao coração, pois so assim tem resultados praticos ; se a verdade for mero conhecimento intelectual supor-nos-emos justificados e não passaremos de doutores da lei inoperantes, que põem cargas pesadas aos ombros dos outros sem ajudar a leva-las.

Essa libertação, que faz com que não temamos a assunção da responsabilidade, porque liberdade sem responsabilidade é na moral libertinagem e na politica anarquia, produz em nos uma intima alegria a qual somente a mousiquê consegue traduzir. Por este raciocinio, quem tem medo da musica tem medo da liberdade – e é interessante notar como as ditaduras são monocordicas.

O espiritismo é todo ele um canto à liberdade, sobretudo essa liberdade de pensamento que não nos proibe de pensar Deus, que não nos proibe errar ao abolir a morte. O espiritismo é todo ele um canto à vida, à verdade, à beleza. Porque ainda grassa a dor, o simples facto de consolar é um hino de amor que se eleva aos céus, numa rapsodia espontânea com amplitude vibratoria de varias oitavas.

E quando o coração nos anda opresso, quantas vezes o que nos consola não é apenas um jogo de silêncios ? A musicalidade das palavras pode levar-nos até onde os demagogos entenderem, numa poesia de ilusão aprendida com Gorgias, mas a verdadeira musica da alma tem a tessitura do encontro com o Criador quando nela se faz silêncio.

Sendo, então, a musica sentimento, que melhor musica que a da vibração do amor, que é o sentimento nobre por excelência, sobretudo quando se ama o proximo como a nos mesmos – partindo do principio que nos amamos. Na verdade, quem ama o proximo como a si mesmo ama Deus sobre todas as coisas, porque se Deus, em realidade, não precisa do nosso amor, o nosso proximo, que é uma imagem concreta de Deus (e tanto que nos temos necessidade de concreção) esse ja esta à mingua de sentimentos fraternos – tal como nos, que somos o outro do outro.

A alteridade entrou nos discursos da filosofia pela incapacidade de resolvermos favoravelmente as reservas em relação ao proximo ; mas quando puderem dizer de nos, espiritas, « Vede como se amam » (tal como diziam dos primeiros cristãos), as nossas casas espiritas serão violinos no concerto cosmico das criaturas afinadas pelo diapasão divino, e isso sera perceptivel nas nossas reuniões publicas, onde se cantarão as preces, os louvores, as inquietações, as dores, a fé.

Cantar-se-a com palavras, que são signos inteligentes para designar a realidade, e cantar-se-a com a voz extra-fisica do coração, uma espécie de dado imediato da consciência, intuido, não verbalizado, de emoções superiores. E assim unidos numa aspiração de mais além, entramos em sintonia com nossos irmãos maiores.

Quem tem medo da musica, do canto, da dança – da arte em geral ? Quando estamos felizes (e às vezes estamos felizes), que nos apetece senão cantar e dançar ?

Nas nossas casas espiritas estamos felizes ou infelizes ? Se estamos felizes, se não é por obrigação de preceito dominical que ali nos encontramos, porque teimamos em não demonstrar a felicidade de sermos espiritos espiritas ?

 

 


 

Bibliografia

 

1 – Do livro « Eridano » de Arvi T. Pekkonnen, paginas, 89,90,91,92, da autoria de Antonio Augusto Pinho da Silva – fundador e dirigente da Associação Cultural Espirita Mudança Interior de Vale de Cambra – distrito de Aveiro – Portugal e médium.