Missão dos Espíritas.

Temo-nos debruçado ultimamente sôbre a leitura do Evangelho, na qual nos é dito que os espíritas são trabalhadores da última hora. E o Espírito Constantino no capitulo XX, fala assim: « Muito orgulhoso seria aquêle que dissesse: comecei a obra pela madrugada e só a terminei ao cair da noite. Todos vos vistes quando fostes chamados, mais cedo ou mais tarde, para a encarnação, cuja cadeia arrastais; mas ha quantos séculos não vos vem chamando o Mestre à sua vinha, sem que vos tenhais querido nela penetrar? Eis que vos chega o momento de receber o salário; empregai bem esta hora que vos resta e nunca esqueçais que vossa existência, por mais longa que seja, é apenas fugidio momento na imensidade dos tempos que formam a vossa eternidade.»

De facto quantas vozes se levantaram, no decorrer dos séculos, clamando os homens de boa vontade, para que metessem mãos à obra e preparassem a « vinha do Senhor » para que ela pudesse dar frutos maduros e sazonados, por outras palavras que cumprissem a palavra dada aquando de cada encarnação, para satisfazerem as exigências do progresso e se libertarem, pelo seu proprio trabalho, das algemas com que se amarraram ao longo dos séculos e mesmo dos milénios.

Antes de Jesus, a Humanidade conheceu diversos Espíritos que lhe franquearam portas de progresso, sendo um dêles Moisés, depois João Batista e o Próprio Mestre Jesus nos abriu, com rasgos de caridade e um imenso amor, as portas da salvação. E como o seu trabalho foi profundo e altamente profícuo, deixou-nos em herança o imenso labôr dos apóstolos que em diversas regiões do mundo (do Médio-oriente à Europa) completaram o trabalho do Messias, e nos revelaram o porquê da nossa existência e a comunicação entre vivos e mortos, ou seja a pré-existência da alma.

E após um período de obscuridade, falamos da Idade-Média, eis-nos que de novo a tradição religa o velho ao novo mundo, com o período dito do Renascimento e das Luzes, enquanto preparação para uma Nova Era, a qual fazia sentido e desenvolvia hodierno movimento de restauração evangélica e de avivação da moral contida nos ensinos do Mestre insigne et libertador da Alma Humana. E eis que na caminhada, ainda excitante, nos encontramos com o mestre e filosofo Hippolite Léon Denizard Rivail, futuro codificador da Doutrina dos Espíritos, restauradora do espirito, profundo e indelével, dos ensinos de Jesus,

Surge, Allan Kardec, que ouve atentivamente, averigua, descreve, disseca e explica, para as gerações futuras não só quanto o que o Mestre tinha expresso, mas ainda quanto as vôzes do antes, invisível, mas agora compreendidas, trouxeram e renovaram, relativamente a Jesus e à nova época em que penetrávamos.

E no capítulo relativo aos trabalhadores da ultima hora, o Espírito Erasto comunica-se dizendo: 4. « Não ouvis ainda o ronco da tempestade que deve arrastar o velho mundo e mergulhar no nada a soma das iniquidades terrenas. Ah! Bendizei o Senhor, vos que haveis pôsto vossa fé na soberana justiça e que, novos apóstolos da crença revelada pelas vozes proféticas superiores, ides pregar o nôvo dogma da reencarnação e da elevação dos Espíritos, conforme hajam bem ou mal realizado suas missões e suportado as provas terrenas.

Não tremais! As línguas de fogo descem sôbre as vossas cabeças. O verdadeiros adeptos do Espiritismo, sois os eleitos de Deus! Ode e pregai a palavra divina. E chegada a hora em que deveis sacrificar à sua propagação os vossos hábitos, vossas ocupações futeis. Ide e pregai: os Espíritos do Alto estão convosco.

Certo falareis a pessoas que não querem escutar a voz de Deus, porque esta incessantemente lhes lembra a necessidade de abnegação; pregai o desinterêsse aos avarentos, a abstinência aos debochados, a mansuetude aos tiranos domésticos, assim como aos déspotas; palavras perdidas, bem o sei ; mas que importa! E preciso que o vosso suor regue o terreno que deveis semear, porque êste não frutificara nem produzira senão sob os reiterados esforços da enxada e do arado evangélicos. Ide e pregai!

Sim; todos vos, homens de boa fé que, olhando os mundos espalhados no espaço infinito, compreendeis vossa inferioridade; lançai-vos em cruzada contra a injustiça e a iniqüidade. Ide e derrubai o culto do bezerro de ouro, que diariamente se desenvolve. Ide, que Deus vos conduz! Homens simples e ignorantes, vossas línguas serão desatadas e falareis como nenhum orador. Ide e pregai; e as populações atentas recolherão, felizes vossas palavras de consôlo, de fraternidade, de esperança e de paz.

Que importam os tropeços atirados ao vosso caminho! Só os lôbos cairão na armadilha, porque o pastor saberá defender suas ovelhas contra os carniceiros sacrificadores. Ide, homens grandes perante Deus e que, mais felizes que São Tomé, credes sem ver, e aceitais os factos de mediunidade, mesmo quando não os obtivestes pessoalmente; ide, que o Espirito de Deus vos conduz.

Para a frente, pois, falange imponente pela fé! Os grandes batalhões de incrédulos extinguir-se-ão à vossa frente como as brumas matinais aos primeiros raios do sol nascente. A fé é a virtude que transporta montanhas, disse Jesus; entretanto, mais pesados que as mais pesadas montanhas, jazem no coração do homem a impureza e todos os vícios da impureza.

Parti, pois, com coragem, para transportar essa montanha de iniqüidade que as gerações futuras só devem conhecer como uma lenda, do mesmo modo que vos, só muito imperfeitamente, conheceis as dos períodos anteriores à civilização pagã. Sim; terremotos morais e filosóficos vão sacudir todos os pontos do globo. Chegou a hora em que a luz divina deve brilhar nos dois mundos (*).

Ide, pois, e levai a palavra divina aos grandes que a desdenharão, aos sábios que pedirão provas, aos pequenos e simples que aceitarão porque, sobretudo, entre estes mártires do trabalho, nesta expiação terrestre, encontrareis a simpatia e a fé. Ide; êstes receberão com hinos de gratidão o consôlo sagrado que lhes levardes e inclinar-se-ão em sinal de graças pela parte que lhes toca das aflições da Terra.

Que vossa phalange se arme, pois, de resolução e de coragem. A obra! O arado esta preparado; a terra espera; é preciso trabalhar. Ide e dai graças a Deus pela gloriosa tarefa que vos confiou, mas pensai que entre os chamados ao Espiritismo muitos estacionaram, olhai, pois, vosso caminho e segui a trilha da verdade.

Mas, perguntareis: – Se muitos dos chamados ao Espiritismo estacionaram, como distinguiremos os que estão em bom caminho? E responderemos: – Reconhecê-los-eis nos princípios da verdadeira caridade que professarem e praticarem; pelo número de aflitos que houverem consolado; por seu amor ao próximo; por sua abnegação e desinterêsse pessoal; reconhecê-los-eis, enfim, no triunfo dos seus princípios, porque Deus quer o triunfo da sua lei; os que a seguem são os escolhidos e dêstes sera a vitoria; mas destruirá os que falseiam o espirito desta lei e a afeiçoam à satisfação da sua vaidade, de sua ambição. (ERASTO, Paris, 1863.)

Em conclusão, diremos que, nesta longa mensagem se encontra traçada a obra que os espiritas têm para construir, se mesmo e malgrado as asperezas, pela demissão de muitos entre os chamados, o falhanço em que tenham caído, a caminhada continua esperando a nossa vontade de avançarmos e da resolução em contribuirmos para a difusão dos ideais de libertação, de emancipação e de preparação, paciente e afincada, para um mundo melhor.

Dizer que a caminhada sera fácil, ja sabemos que não. A própria experiência que a nossa militância espirita nos traz é que assim se tem passado, na realidade, muito do que Erasto nos comunica, mas também mantemos a satisfação de não nos termos deixado avassalar pelo ‘canto da sereias’ com que nos temos cruzado. Talvez, ou certamente, porque estamos convictos das verdades que os séculos e os milénios nos transmitiram, em forma de apelo, na época actual e que denominamos de « última hora »! Muita paz!

 

(*) A parte que se segue foi substituída nas edições francesas e, também, nas brasileiras, sob a inaceitável justificativa de que encerrava um conteúdo político socialista, perigoso na França, pouco depois da morte do Codificador e no Brasil, durante o chamado « Estado-Novo ». Vê-se que não há tal.

 

 


 

Bibliografia

 

« O Evangelho Segundo O Espiritismo » de Allan Kardec – cap. XX – pag. 206, 207, 208 e 209. Editora Pensamento – São Paulo, 1963.