A questão das expiações colectivas.

Particularmente desde que os atentados se tem feito sentir atrozmente em França, não é raro ouvir-se uma quantidade importante de perguntas em relação com as penas e expiações colectivas. A relação entre os sofrimentos e as dôres a nível individual e colectivo.

Afim de esclarecer, tanto quanto possível, esta questão de grande importância na vida e no destino das pessoas, procuramos alguma resposta nos escritos espiritas de Allan Kardec. De forma global e bastante esclarecedora, encontramos em « Obras Póstumas » do Codificador, sob o titulo: « Questões e Problemas – As expiações colectivas » – o seguinte: « Questão – O Espiritismo explica perfeitamente a causa dos sofrimentos individuais, como consequências imediatas das faltas cometidas na existência precedente, ou como expiação do passado; mas, uma vez que cada um só é responsável pelas suas próprias faltas, não se explicam satisfatoriamente as desgraças colectivas que atingem as aglomerações de indivíduos, às vezes, uma família inteira, toda uma cidade, toda uma nação, toda uma raça, e que se abatem tanto sobre os bons, como sobre os maus, assim sobre os inocentes, como sobre os culpados ».

Resposta. – Todas as leis que regem o Universo, sejam físicas ou morais, materiais ou intelectuais, foram descobertas, estudadas, compreendidas, partindo-se do estudo da individualidade e do da família para o de todo o conjunto, generalizando-se gradualmente e comprovando-se-lhes a universalidade dos resultados.

Outrotanto se verifica hoje com relação às leis que o estudo do Espiritismo da a conhecer. Podem aplicar-se, sem medo de errar, as leis que regem o indivíduo à família, à nação, às raças, ao conjunto dos habitantes dos mundos, os quais formam individualidades colectivas. Há as faltas do indivíduo, as da família, as da nação; e cada uma, qualquer que seja o seu caracter, se expia em virtude da mesma lei. O algoz, relativamente à sua vitima, quer indo a encontrar-se em sua presença no espaço, quer vivendo em contacto com ela numa ou em muitas existências sucessivas, até à reparação do mal praticado. O mesmo sucede quando se trata de crimes cometidos solidariamente por um certo numero de pessoas. As expiações também são solidarias, o que não suprime a expiação simultânea das faltas individuais.

Três caracteres há em todo homem: o do indivíduo, do serem si mesmo; o de membro da família e, finalmente, o de cidadão. Sob cada uma desses três faces pode ele ser criminoso e virtuoso, isto é, pode ser virtuoso como pai de família, ao mesmo tempo que criminoso como cidadão e reciprocamente. Dai as situações especiais que para si cria nas suas sucessivas existências.

Salvo alguma excepção, pode-se admitir como regra geral que todos aqueles que numa existência vêm a estar reunidos por uma tarefa comum ja viveram juntos para trabalhar com o mesmo objectivo e ainda reunidos se acharão no futuro, até que hajam atingido a meta, isto é, expiando o passado, ou desempenhando a missão que aceitaram.

Graças ao Espiritismo, compreendeis agora a justiça das provações que não decorrem dos actos da vida presente, porque reconheceis que elas são o resgate das dividas do passado. Porque não haveria de ser assim com relação às provas colectivas? Dizeis que os infortúnios de ordem geral alcançam assim o inocente, como o culpado; mas, não sabeis que o inocente de hoje pode ser o culpado de ontem? Quer ele seja atingido individualmente, quer colectivamente, é que o mereceu. Depois, como ja dissemos, há as faltas do indivíduo e as do cidadão; a expiação de umas não isenta da expiação das outras, pois que toda divida tem que ser paga até à ultima moeda.

As virtudes da vida privada diferem das da vida publica. Um, que é excelente cidadão, pode ser péssimo pai de família; outro, que é bom pai de família, probo e honesto em seus negócios, pode ser mau cidadão, ter soprado o fogo da discórdia, oprimido o fraco, manchado as mãos em crimes de lesa-sociedade.

Essas faltas colectivas é que são expiadas colectivamente pelos indivíduos que para elas concorreram, os quais se encontram de novo reunidos, para sofrerem juntos a pena de talião, ou para terem ensejo de reparar o mal que praticaram, socorrendo e assistindo aqueles a quem outrora maltrataram. Assim, o que é incompreensível, inconciliável com a justiça de Deus, se torna claro e lógico mediante o conhecimento dessa lei.

A solidariedade, portanto, que é o verdadeiro laço social, não o é apenas para o presente; estende-se ao passado e ao futuro, pois que as mesmas individualidades se reuniram, reúnem e reunirão, para subir juntas a escala do progresso, auxiliando-se mutuamente. Eis ai o que o Espiritismo faz compreensível, por meio da equitativa lei da reencarnação e da continuidade das relações entre os mesmos sêres.

Clélia Duplantier

 

Nota – Conquanto se subordine aos conhecidos princípios de responsabilidade pelo passado e da continuidade das relações entre os Espíritos, esta comunicação encerra uma ideia de certo modo nova e de grande importância. A distinção que estabelece entre a responsabilidade decorrente das faltas individuais ou colectivas, das da vida privada e da vida publica, explica certos factos ainda mal conhecidos e mostra de maneira mais precisa a solidariedade existente entre os seres e entre as gerações.*

 

Assim, muitas vezes um indivíduo renasce na mesma família, ou, pelo menos, os membros de uma família renascem juntos para constituir uma família nova noutra posição social, a fim de apertarem os laços de afeição entre si, ou reparar agravos recíprocos. Por considerações de ordem mais geral, a criatura renasce no mesmo meio, na mesma nação, na mesma raça, quer por simpatia, quer para continuar, com os elementos ja elaborados, estudos começados, para se aperfeiçoar, prosseguir trabalhos encetados e que a brevidade da vida não lhe permitiu acabar.

A reencarnação no mesmo meio é a causa determinante do caracter distintivo dos povos e das raças. Embora melhorando-se, os indivíduos conservam o matiz primário, até que o progresso os haja completamente transformado. Os Franceses de hoje são, pois, os do século passado, os da Idade Média, os dos tempos druídicos; são os exatores e as vitimas do feudalismo; os que submeteram outros povos e os que trabalharam pela emancipação deles, que se encontrem na França transformada, onde uns expiam, na humilhação, o seu orgulho de raça e onde outros gozam o fruto de seus labores.

Quando se consideram todos os crimes desses tempos em que a vida dos homens e a honra das famílias em nenhuma conta eram tidas, em que o fanatismo acendia fogueiras em honra da divindade; quando se pensa em todos os abusos de poder, em todas as injustiças que se cometiam com desprezo dos mais sagrados direitos, quem pode estar certo de não haver participado mais ou menos de tudo isso e admirar-se de assistir a grandes e terríveis expiações colectivas ?

Mas, dessas convulsões sociais uma melhora sempre resulta; os Espíritos se esclarecem pela experiência; o infortúnio é o estimulante que os impele a procurar um remédio para o mal; na erraticidade, refletem, tomam novas resoluções e, quando voltam, fazem coisa melhor. E assim que, de geração em geração, o progresso se efectua.

Não se pode duvidar de que haja famílias, cidades, nações, raças culpadas, porque, dominadas por instintos de orgulho, de egoísmo, de ambição, de cupidez, enveredam por mau caminho e fazem colectivamente o que um indivíduo faz insuladamente. Uma família se enriquece à custa de outra; um povo subjuga outro povo, levando-lhe a desolação e a ruina; uma raça se esforça por aniquilar outra raça. Essa a razão por que há famílias, povos e raças sobre os quais desce a pena de talião.

« Quem matou com a espada perecera pela espada », são palavras do Cristo, palavras que se podem traduzir assim: Aquele que fez correr sangue vera o seu também derramado; aquele que levou o facho do incêndio ao que era de outrem, vera o incêndio ateado no que lhe pertence; aquele que  despojou sera despojado; aquele que escraviza e maltrata o fraco sera a seu turno escravizado e maltratado, quer se trate de um indivíduo, quer de uma nação, ou de uma raça, porque os membros de uma individualidade colectiva são solidários assim no bem como no mal que em comum praticaram.

 
 


 

Bibliografia

 

– Obras Postumas, de Allan Kardec, Questões e Problemas , As expiações colectivas, paginas 197 a 204.

* Segundo o texto das explicações do Espirito Clélia Duplantier e a nota do autor que segue aquelas.