A Fé à luz do Espiritismo.

A – O poder da Fé

 

Parábola – “A Fé que remove montanhas”, in O Evangelho segundo o Espiritismo:

 

“No sentido moral, as montanhas que a Fé movimenta são as dificuldades, as resistências, a má vontade, em suma, o que se encontra entre os Homens (…).

A fé robusta dá a perseverança, a energia e os recursos que fazem vencer os obstáculos, nas pequenas coisas, como nas grandes; a fé vacilante dá a incerteza, a hesitação de que se aproveitam aqueles que queremos “combater”; ela não procura os meios de vencer, porque não acredita poder vencer”.

Arnaldo Costeira, na obra Pensamento, poder mental e mediunidade afirma que “a mente tem as suas leis e seus princípios que nunca falham: o pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza”, afirmação que reforça a ideia de vencer, isto é, de realizar, se houver crença, ou fé.

Kardec, n’O Evangelho segundo o Espiritismo disse que a fé também se entende como confiança que se tem na realização de uma coisa; a certeza de atingir determinado fim; ela dá uma espécie de lucidez que permite ver, em pensamento, a meta que se quer alcançar e os meios de aí chegar, com absoluta segurança”. É o que acontece quando em linguagem corrente dizemos: tenho fé de que vou conseguir… ou tenho fé de que vai correr tudo bem, por exemplo.

Joanna de Ângelis, através de Divaldo Franco, na obra Desperte e seja feliz, dá alguns exemplos do poder da fé, entendida enquanto “razão fundamental para o triunfo (…) ou como membro importante do contexto humano, cujo contributo fortalece as nobres conquistas da sociedade”: Ignaz Semmelweis permaneceu na busca da solução para o problema da infeção puerperal e tornou-se o pai da assepsia, mas foi estigmatizado pela intolerância da tradição porque sustentava o seu ideal de serviço na fé. Edison, firmado na fé de produzir, jamais se permitiu o luxo do repouso, logrando brindar o mundo com aproximadamente mil invenções de extraordinária utilidade. Colombo, apoiado na fé que as reminiscências do passado lhe mantinham vivas na mente, peregrinou por várias cortes europeias, buscando ajuda para a sua empresa, e graças a isso, descobriu a América. Allan Kardec, alicerçado na fé raciocinada, inquiriu os imortais com persistência e brindou a Humanidade com a Revelação Espírita. Em todos aqueles que edificaram as abençoadas colunas do progresso ético, social e cultural da Terra, a presença da fé é o estímulo e segurança que os não deixou desistir dos cometimentos que perseguiam. Jesus, a fim de levar até ao fim os objetivos abraçados, viveu a fé em Deus e no futuro feliz, sem nunca desanimar, permanecendo fiel, sem cansaço, em todos os momentos.

 

B – A fé natural ou humana

 

O Espírito Marcelo Ribeiro, na obra Terapêutica de emergência, afirma que “essa coragem, esse ardor que impele a realizar alguma coisa e a algo fazer, expressa o estádio primeiro da fé natural. Sem o seu contributo, o homem se resumiria, nas ações que empreende, a simples máquina de impulsos primitivos”.

Tudo é possível àquele que crê, porque o homem assim armado de confiança, sabe investir e avançar sem desvios, nem medos; a fé é, portanto, essencial para o êxito de qualquer empreendimento.

Joanna de Ângelis, na obra Desperte e seja feliz, reforça esta ideia lembrando que “facilidade, improvisação e sorte são expressões que não existem no dicionário dos Códigos Divinos; tudo são conquistas arduamente conseguidas”, pelo que nunca devemos abandonar a trilha da fé, nem os devemos apartar dos deveres sacrificiais ao defrontarmos dificuldades; devemos permanecer fieis ao ideal que abraçamos e à vida, sem temer, nem recuar, nem desesperar porque a felicidade virá e permanecerá connosco a partir do momento próprio.

Nesta mesma linha de pensamento, Kardec afirma na obra O Evangelho Segundo o Espiritismo que “a fé sincera e verdadeira é sempre calma; dá a paciência que sabe operar, porque tendo o seu ponto de apoio na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de lá chegar; a fé vacilante sente a sua própria fraqueza; quando é estimulada pelo interesse, torna-se furibunda e julga suprir a força pela violência. A calma na luta é sempre um sinal de força e de confiança. A violência, pelo contrário, é uma prova de fraqueza e de confiança em si mesmo”.

Joanna de Ângelis, na obra Otimismo, afirmou que “com o trabalho nos valores morais, (…) o homem consegue erradicar as causas das suas ansiedades, substituindo-as por fatores que lhe propiciam o equilíbrio e a paz e, com esse comportamento, desaparece o homem instável, ansioso, substituído pelo indivíduo tranquilo, confiante, restaurado na fé”.

Esta é, portanto, a fé natural ou humana que, segundo Kardec, “é o sentimento inato, no homem, dos seus destinos futuros; é a consciência que ele tem faculdades imensas depositadas em gérmen no seu íntimo, a princípio em estado latente, e que ele deve fazer eclodir e crescer, pela sua vontade”. O mesmo autor insiste ainda dizendo: “se todos os encarnados estivessem bem persuadidos da força que em si trazem, e se quisessem pôr a vontade ao serviço dessa força, seriam capazes de realizar o que, até hoje, chamam prodígios e milagres, e que não são senão um desenvolvimento das próprias faculdades humanas. Um exemplo destes prodígios é o magnetismo que é uma das maiores provas do poder da fé posta em ação; é pela fé que ele cura e produz esses fenómenos estranhos, outrora qualificados de milagres”.

 

C – A fé religiosa

 

Segundo Kardec, “do ponto de vista religioso, a fé é a crença nos dogmas especiais, que constituem as diferentes religiões; todas elas têm os seus artigos de fé.”

Joanna de Ângelis, na obra Em busca da verdade, afirma que “o ser humano é, na sua essência, um “animal religioso” e que a busca da religiosidade o leva a vincular-se às diferentes correntes doutrinárias, procurando segurança e harmonia na trajetória física. As suas experiências de fé religiosa concedem-lhe vigor e dão-lhe coragem nas situações difíceis e ante os desafios. Pode-se afirmar que nesse indivíduo, a fé é quase de natureza genética. Há uma crença universal em Deus, não importando o nome que se Lhe dê, a forma como se O compreenda. A crença religiosa, no entanto, é resultado de fatores educacionais, culturais, familiares. Dessa forma, têm-se a crença natural e a religião que foi aprendida”.

“A fé religiosa sustenta-se na probabilidade de que sejam reais os postulados transpessoais, espirituais, nos quais se acredita. A fé produz heróis e santos, mártires e pessoas de bem. Mediante a fé em Deus, sem exaltação e com harmonia, a saúde emocional é mais duradoura (…)”.

A fé, mesmo que pequenina (como um grão de mostarda) consegue o resultado que se almeja, em razão das forças que faculta e da inspiração que propicia.

Já segundo Marcelo Ribeiro, Espírito, na obra Terapêutica de emergência, de Divaldo Franco, “graças à fé religiosa mudam-se paisagens da Terra para o homem que crê, alterando nele a visão e desdobrando-lhe o alcance em torno das realidades que lhe compete perseguir e conquistar. A fé faz-se dínamo gerador de poderosas energias, mediante as quais se estabelecem contatos transcendentes nas fontes da vida, de onde fluem e para onde refluem as forças que “removem as montanhas” de dificuldades que a insensatez fez levantar no curso dos caminhos percorridos pelos pés levianos nos dias do passado (…)”.

A fé, portanto, religiosa e lúcida, pode ser comparada a alta bênção que, todavia, cada um pode e deve alcançar, se quiser.

Assim sendo, percebemos nestas palavras duas questões fundamentais em torno do conceito de fé religiosa. A primeira é que a fé religiosa deverá ser lúcida; a segunda, que cada um pode alcançar a fé, se o desejar.

Com base nestes dois pressupostos, avancemos para o parágrafo seguinte.

 

D – A fé cega VS a fé raciocinada

 

A fé pode, de facto, ser raciocinada ou cega. De acordo com Kardec, “a fé cega não examina nada; aceita, sem verificação, o falso como o verdadeiro, e a cada passo choca-se com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo.

Mas a fé que tem por base a verdade garante o futuro, porque nada tem a temer do progresso das luzes porque o que é verdadeiro na sombra, também o é à luz do dia”.

Voltando a citar o Espírito Marcelo Ribeiro, é-nos dito que, “canalizando a fé religiosa, mediante esforço racional, bem dirigido, através da reflexão e do exercício mental, nos

rumos do bem geral, da elevação pessoal, da mudança de atitude vibratória, o espírito conquista cada um dos mais altos atributos no empreendimento superior da existência terrena”.

Para Kardec, a crença é um ato de entendimento baseado no uso da razão e está em oposição à ideia de crença em Deus por temor ou de fascínio pelo divino, ou de medo de castigos divinos e eternos.

Na obra A génese, Kardec explica que “seguiu um esquema seguro e claro de interpretação e aplicação do Evangelho, de acordo com a realidade histórica, restabelecendo o sentido real dos ensinos de Jesus, com exclusão das influências mitológicas dos textos e exclusão das deformações dogmáticas dos teólogos. A sua posição é científica, seguindo a orientação doutrinária da fé raciocinada, ou seja, baseada na razão”. E assim surgiu a codificação espírita, e a partir dela nasceram todas as chamadas ciências psíquicas de natureza realmente científica como a parapsicologia, a metafísica, a física transcendental e a ciência da personalidade. O mundo deve a Kardec a descoberta da alma em plano científico, da sua sobrevivência à morte física, da natureza extrafísica do pensamento e da existência real do corpo espiritual.

Joanna de Ângelis, na obra Em busca da verdade, retoma esta ideia afirmando que “as incontáveis investigações em torno da paranormalidade humana, realizadas nos séculos 19 e 20, por excelentes cientistas das diversas áreas do conhecimento, têm oferecido material suficiente e incontestável para confirmar que a morte não destrói a vida e que o Espírito não desaparece com o seu envoltório material. A mediunidade tornou-se objeto de estudos sérios (…) confirmando a imortalidade do Espírito”.

Atrás ficava assim a filosofia existencialista que afirmava que era necessário ver para crer. Hoje, as propostas da física quântica baseiam-se na necessidade de antes crer para depois ver, mesmo porque nem tudo aquilo em que se crê será visto.

Não acontece o mesmo com o Sol em dias de nevoeiro? Cremos e sabemos que ele lá está, mesmo quando não o vemos. E também sabemos que para aquele que crê, nenhuma prova é necessária e para aquele que não crê, nenhuma prova é suficiente.

Kardec afirma, portanto, que “a resistência do incrédulo muitas vezes provem menos dele do que da maneira por que lhe apresentam as coisas. A fé necessita de uma base, base que é a compreensão perfeita daquilo em que se deve crer. E, para crer, não basta ver; é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é deste século e é precisamente o dogma da fé cega que faz o maior número dos incrédulos, porque ela quer impor-se. Exigindo a abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do Homem: a que é constituída pelo raciocínio e pelo livre-arbítrio. É contra esta fé que se ergue o incrédulo que, não admitindo provas, deixa no espírito alguma coisa de vago, onde nasce a dúvida”.

A fé raciocinada, por sua vez, é aquela que se apoia em factos e na lógica; não deixa nada obscuro; crê-se porque não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.

É a esse resultado que conduz o Espiritismo, que triunfa da incredulidade.

Um Espírito Protetor n’O Evangelho segundo o Espiritismo recomenda: “tende fé, com o que ela contém de belo e de bom, na sua pureza, na sua racionalidade. Não admitais a fé

sem comprovação, filha cega da cegueira. Amai a Deus, mas sabei porque o amais; crede nas suas promessas, mas sabei porque acreditais nelas (…)”.

Estas reflexões em torno dos conceitos de fé levam-nos ao último ponto desta apresentação, mas que bem poderia ser o primeiro, uma vez que se trata da …

 

E –Origem da fé

 

Kardec afirmou que, “sendo a crença um ato de entendimento, não pode ser imposta. Tem que ser aceite; tem que fazer sentido a nível cognitivo do indivíduo”.

Diz-se vulgarmente que a fé não se ordena e o que é ainda mais certo: a fé não se impõe.

Ela não se impõe, mas adquire-se e não há ninguém a quem seja recusado possui-la, mesmo os mais refratários. Falamos das verdades espirituais fundamentais e não desta ou daquela crença particular. Não é à fé que compete procurar essas pessoas, é a elas que cumpre ir ao encontro da fé, e se a procurarem, com sinceridade, encontrá-la-ão.

Em certas pessoas, pelo contrário, a fé parece de algum modo inata. Uma centelha basta para a desenvolver.

Para outras, pelo contrário, as verdades espirituais são assimiladas com dificuldade.

As primeiras já creram e compreenderam e, ao renascer, trazem a intuição do que souberam; as segundas, tudo têm de aprender e, se esta educação não estiver terminada nesta existência, sê-lo-á numa outra.

O filósofo Kierkegaard afirmava que ninguém pode dar a fé aos outros. Trata-se de uma conquista pessoal e intransferível e certas conquistas não se podem realizar sem terem sido vividas. Só são validadas depois de passarem pelo vivido. (citado por Joanna de Ângelis na obra La Psychologie de la gratitude, psicografada por Divaldo Franco).

O Espírito Emmanuel, na obra Vinha de Luz, psicografada por Chico Xavier, afirma que “a conquista da crença edificante não é serviço de menor esforço (…) e que a árvore da fé viva não cresce no coração milagrosamente”.

O mesmo Espírito diz ainda que “é imprescindível tratar a planta divina com desvelada ternura e instinto enérgico de defesa (…) e que ninguém pode, em sã consciência, transferir de modo integral, a vibração da fé ao espírito alheio, porque realmente isso é tarefa que compete a cada um”.

 

(BR, Lanhelas, 30 de agosto de 2018)

 


Referências Bibliográficas

 

– Allan Kardec – O Evangelho segundo o Espiritismo

– Allan Kardec – A Génese

– Arnaldo Costeira – Pensamento, poder mental e Mediunidade

– Chico Xavier – pelo Espírito Emmanuel – Vinha de Luz

– Divaldo Franco, pelo Espírito Joanna de Ângelis – Otimismo

– Divaldo Franco, pelo Espírito Joanna de Ângelis – Em busca da verdade

– Divaldo Franco, pelo Espírito Joanna de Ângelis – Desperte e seja feliz

– Divaldo Franco, pelo Espírito Joanna de Ângelis – La psychologie de la gratitude

– Divaldo Franco, pelo Espírito Marcelo Ribeiro – Terapêutica de emergência